Guilherme Torres exclusivo ao jornal Diário de São Paulo
Você pode até tentar, mas dificilmente vai tirar o sorriso do rosto de Guilherme. Sabe aquele momento na vida da pessoa em que tudo está do jeito que ele gostaria? Pois bem, é assim que o volante se sente, atualmente.
No aspecto da bola, terminou bem a temporada pelo La Coruña. Tão bem que foi comprado pelo clube espanhol, da Udinese, da Itália, e assinou contrato por mais quatro temporadas. Era tudo o que ele queria, já que disse não estar satisfeito no País da Bota.
Pelo Deportivo, fez 34 jogos e dois gols. Mas... Dois gols? Parece pouco, mas, segundo Guilherme, não se trata do principal objetivo na função que ele executa. O reconhecimento é o fato de ter sido eleito o melhor do time no ano.
Pessoalmente, a empolgação não é diferente. Faz quatro meses que a esposa dele, Letícia, deu à luz Davi, primeiro filho do casal. Enquanto batia este papo com o DIÁRIO, o jogador estava de babá. Entre uma pausa e outra para conter o choro do bebê, falou sobre carreira, Corinthians, Portuguesa, seleção brasileira...
DIÁRIO_Primeiramente, como está a sua situação no La Coruña? Você estava emprestado pela Udinese até o fim desta temporada. Vai ficar?
GUILHERME_ Vou ficar, sim. O La Coruña comprou os meus direitos. Assinei um contrato por quatro temporadas.
Bom, deve ter sido a melhor notícia que você poderia ter recebido, não é mesmo?
Sim, demais. O que eu queria era isso. Eu já gostava muito do futebol espanhol, de assistir. Aí, quando vim jogar, gostei ainda mais, queria ficar. Graças a Deus, fiz um bom trabalho. A equipe, em geral, não teve um bom resultado, mas, pessoalmente, dei o meu máximo. Eles viram isso, reconheceram o meu esforço em campo.
Ou seja, dá para dizer que, pessoalmente, o desempenho superou a frustração coletiva?
Sim. Coletivamente, como disse, não foi bom. Terminamos o Espanhol na 16ª posição. Pior que o time é bom, mas não deu certo. Mas, pessoalmente, eu diria que a minha temporada foi boa, com regularidade. Fiz muitas partidas assim, consegui manter, jogar bem, ainda mais levando em conta que tive uma contusão, no ano passado. Enfim, para mim, foi um bom ano, sim.
Acho que o maior reconhecimento que se pode ter é ser eleito pelos próprios companheiros de equipe como o melhor do time, como aconteceu com você, não?
Ah, cara, isso passa confiança, né. Você percebe que teve uma importância no clube. Ainda mais para este momento, em que decidiram me comprar. Atuar como volante e ser o melhor é uma coisa relevante, que mostra que, sim, fiz uma boa temporada. Espero que a próxima seja ainda melhor.
Quando se fala em Liga Espanhola, o que dá para dizer que é o objetivo do La Coruña?
Ficar no meio da tabela, de oitavo a 12º. Temos time para isso. Entre as equipes que ficaram nessas posições no último campeonato, dá para dizer que a nossa era melhor. Mas tem de fazer a coisa acontecer dentro de campo, não apenas com os nomes. Mas eu diria que o objetivo, hoje, é esse.
E você? O que vai ter sido uma boa próxima temporada, pessoalmente?
Eu miro tentar fazer o máximo de jogos possíveis, jogar sempre mais. E melhorar. Porque, aí, isso vai me levar a coisas maiores no futuro.
O que seriam “coisas maiores”?
Ah, são algumas possibilidades. Uma delas é melhorar ainda mais o contrato que acabo de assinar. Isso é sempre ótimo. Outra é atrair a atenção de outro clube, um clube maior.
Ficar no La Coruña por muito tempo também seria bom?
Hoje, vejo que o clube está crescendo. Pelo que vi, desde que cheguei, não foi muito bem nas temporadas anteriores. Mas, agora, está se organizando. Claro que vou sempre buscar o melhor para mim, assim como o Desportivo. Teremos uma boa temporada pela frente, vamos com foco nisso.
Como tem sido a sua vida na Europa, até aqui, futebolisticamente? O começo não foi muito bom, né? Acha que está mais adaptado, agora, e, por isso, as atuações cresceram?
Esta foi a minha primeira temporada com muitos jogos. No começo foi difícil. Você chega em um lugar, o italiano é um idioma completamente diferente. Sofri um pouco, sim, admito. Mas pensei que, no segundo ano, o objetivo seria ir bem. Só que tive uma lesão, fiquei sete meses fora e isso quebrou o meu planejamento. Fiz apenas seis partidas. Queria ter ido bem, crescido, evoluído. Mas não deu. Depois, resolvi que gostaria de sair da Udinese. Não estava feliz no clube, e o La Coruña abriu as portas para mim. Fiz boa temporada, renovei e me compraram.
Você diria que se encaixou melhor no futebol italiano ou espanhol?
Ah, no espanhol, com certeza. O italiano é bem tático, marca muito, de uma maneira diferente. Mas você não vê um futebol bonito. A não ser em equipes como Juventus, Napoli, que eu diria que são as exceções. No espanhol, não. Os clubes medianos e grandes jogam de maneira bonita, isso se encaixa mais com o meu estilo
E como define seu estilo?
Na Europa, eu mudei um pouco. O primeiro volante, no continente, é aquele considerado com mais qualidade, porque tem de organizar a saída de jogo. Por isso, é difícil eu chegar com frequência na frente, como fazia no Brasil. Mas estou feliz com a maneira como estou jogando. Faço menos gols, mas estou mais com a bola nos pés. Mas é mais difícil, claro, traz uma responsabilidade.
Não se sente cobrado para fazer tantos gols na Europa, então? Eles não cornetam por causa disso?
Olha, para você levar uma cornetada, é quando não fez o papel que tinha de fazer. Eles não querem que eu defenda, que eu arme, que eu faça gols, as três coisas de uma vez. Querem que eu foque naquilo que tenho de fazer, e é isso que eu tenho feito. E tem dado certo.
Tem acompanhado o futebol brasileiro?
Sim, claro, sempre. Pela internet, na maioria do tempo. Mas fui a alguns jogos na Arena Corinthians. Sempre acompanho, quando posso. Ah, eu gosto, né, amo futebol, em geral. Vejo tudo o que posso, quando dá.
Segue antenado no Corinthians, então, pelo jeito...
Cara, jogar no Corinthians era um sonho que eu tinha desde pequeno. E um sonho que realizei. Foi algo muito, muito especial. Torço até hoje.
Tem contato com o Corinthians, ainda?
Um pouco. Existem grandes pessoas trabalhando lá que eu conheço. Os jogadores são um pouco diferentes dos da minha época, mas o estafe, em geral, está ali. São pessoas do bem.
É incrível como, olhando as suas redes sociais, os corintianos continuam te seguindo, te acompanhando, te elogiando, pedindo para você voltar. Como é lidar com tal carinho?
É um reconhecimento muito gostoso, por aquilo que eu sempre fiz com a camisa do Corinthians. Saí há três anos e as pessoas ainda têm esse carinho que você disse por mim, né... Hoje, claro, o time está muito bem. Não pretendo voltar, ainda, nem o Corinthians pretende me contratar. Mas o carinho do torcedor é uma recompensa muito grande. Mostra que ele se identificou comigo. Mas meu objetivo é ficar na Europa, fazer carreira longa.
E quais são os sonhos que movem essa carreira?
Acho que o grande objetivo de todo mundo é disputar uma Liga dos Campeões. Tirando a Copa do Mundo, é a competição mais importante do planeta. Seria uma honra, sendo com o Deportivo ou com outro clube. Para isso, tento fazer o melhor, sempre. Ponho um sonho na cabeça e vou atrás dele. É assim que eu penso.
Já realizou muitos sonhos?
Muitos, muitos. Olha, eu saí de uma situação, na infância, que não era fácil. Eu almejo as coisas, e dou graças a Deus pela situação em que estou hoje. Virei jogador profissional, pela Portuguesa, a minha vitrine. Depois, fui para o clube pelo qual sempre sonhei jogar, o Corinthians. Quando era pequeno, nem pensava em Europa. Eu sonhava com o Corinthians. O tempo passou e, claro, comecei a pensar em jogar fora do país. Comecei a querer a Europa, para estar ao lado e contra os melhores do mundo, estar no campo em que muitos deles jogaram.
Você falou da Portuguesa... De longe, acompanha a situação? Como é ver o clube que te projetou ser eliminado na primeira fase da Série D do Brasileiro e correr o risco de não ter calendário nacional em 2018?
Muito triste, né. Como pode chegar nessa situação? Mas a vida é assim, cara. Ela é justa. Se você não faz as coisas certas, elas não correm bem. Não tem jeito. Então, alguém, em algum momento, não fez, e a situação é essa. Mas é triste, mesmo. Cheguei na Lusa com 9 anos, saí com 21. É um clube que eu vou levar no coração para a vida toda. O clube que me abriu as portas no começo, me deu tudo. Espero que, um dia, volte a ser o que foi. Volte a ser aquela equipe que chega para dar trabalho para os grandes, quando enfrenta.
Parece que todo mundo torce pela recuperação do clube.
Porque é a Portuguesa, né. Sempre foi o quinto melhor time do Paulistão. Sempre foi o segundo clube do coração de muita gente. Um clube querido, que revelou bons jogadores, muita gente de qualidade passou por ali. De novo, espero que saia dessa situação.
Mas, voltando ao futebol, o que acha do Brasileirão? Quem leva este ano?
Estou acompanhando bem, como disse. Sobre o Corinthians, eu já imaginava que iria bem. Trabalhei com o Fábio Carille, na época do Tite, eu sabia da capacidade dele. Sempre dizem, no Brasil, que o Paulistão não tem valor, mas, se você não ganha, vem a cobrança. Mas, no Brasileirão, está muito no início, ainda. Claro, eu espero que seja campeão. Mas tem Grêmio brigando, Palmeiras e Flamengo que vão chegar. Põe o Atlético-MG aí na lista.
Deixando a bola de lado, você acaba de ser pai. Como está sendo esse momento?
Pois é, meu bebê, o Davi, tem quatro meses de vida. Cara, o que eu posso dizer? É uma coisa excepcional, né, linda, um presente de Deus.
Nasceu no Brasil?
Não, nasceu na Espanha. Eu e a minha esposa, Letícia, estamos apaixonados. Mudou a vida.
A adaptação dela foi tranquila na Europa?
Sim, foi muito rápida. No começo, claro, é um pouco difícil. Mas passamos por isso de boa. Já a do bebê também pareceu sossegada. As mudanças de horário são ruins, atrapalhou um pouco o sono dele. Mas de boa, também.
Dá para dizer que você atravessa um momento em que a fusão das vidas pessoal e profissional está perfeita?
Acho que a minha vida está caminhando muito bem. Da maneira que eu esperava e que almejo, nos dois lados que você citou. Tenho um filho novinho, que é aquilo que eu queria. Tenho uma família abençoada. Tenho vontade de levantar e ir treinar todos os dias, trabalhar com aquilo que amo.
Falando com outros jogadores que atuam na Europa, eles dizem que, mesmo sem terem participado daquela semifinal da Copa de 2014 contra a Alemanha, sentiram, de alguma maneira, o efeito do 7 a 1. Seja em uma brincadeira ou outra coisa. Aconteceu com você?
Olha, não. Comigo, não teve nada. Nunca me zoaram por causa disso. E tem outra, depende da pessoa, né. Tem de ter um nível de intimidade, senão, não tem clima para sair fazendo brincadeira. E eu nunca joguei com algum alemão. Talvez, seja por isso (risos). Mas faz parte do futebol. Infelizmente, não era para ter acontecido, mas aconteceu. É passado, a seleção tem tudo para ser campeã em 2018.
Você trabalhou com o Tite, como disse. Ele é o cara para conseguir isso na Rússia?
Trabalhei, sim, no Corinthians e sei perfeitamente como ele é. Eu sabia que ele daria outra cara para a seleção. Tenho certeza de que vai chegar com tudo na Rússia, no ano que vem. Ser campeão ou não, é outra história, depende de muita coisa, mas pode escrever aí: o Brasil vai fazer um bom papel na Copa do Mundo.